ENTRETENIMENTO

“Não existe Planeta B”, alerta astrofísico às vésperas da COP 30

Por MRNews

A menos de três semanas do início da COP30, em Belém (PA), lideranças mundiais engajadas em discutir as mudanças do clima afinam o discurso com cientistas que estão preocupados com o futuro da Terra e com a resistência das espécies do planeta, entre elas, a espécie humana.  

Para o astrofísico Ricardo Ogando, do Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer (MCTI), a Terra é “a nossa única opção”.  Ele está alinhado com o movimento global de astrônomos e voluntários Astronomers for Planet Earth (Astrônomos pelo Planeta Terra, em livre tradução), que defende soluções práticas em prol da regeneração do planeta.  

renato Archer/Arquivo Pessoal

Em entrevista exclusiva, Ogando reforçou a importância do planeta Terra e de investimentos em políticas públicas a favor do meio ambiente. Ele exclui, por uma série de fatores científicos, a crença futurística de habitarmos um “Planeta B”, em um futuro próximo ou remoto.  

“São vários fatores que você tem que conjugar para chegar a um planeta que seja habitável. Mas, ainda tem a questão de conseguir chegar lá. Ou seja, nosso planeta é algo muito extraordinário mesmo”, explica Ogando.    

Para Ogando, nem mesmo Marte, nosso planeta vizinho, e com missões programadas para as próximas décadas seria habitável. Além de questões de infraestrutura e de habitação, o astrofísico pondera a questão dos investimentos.  “É muito mais barato ficar na Terra e cuidar dela. Essa é uma conta fácil de fazer”, diz.  

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Acompanhe trechos da entrevista para o podcast S.O.S! Terra Chamando!, uma parceria da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e da Fundação Oswaldo Cruz e que estreia no dia 3 de novembro, na Rádio MEC.  

Agência Brasil: Do ponto de vista da ciência e da astronomia estamos diante de um momento antagônico. De um lado, conquistas espaciais e astronômicas que apontam até para a possibilidade de encontrarmos vida em outros planetas e luas. Por outro lado, nosso planeta corre sérios riscos. Por que a humanidade precisa entender que a Terra é um planeta especial?   

Ricardo Ogando: A Terra é especial porque é o único planeta em que há vida, segundo a conhecemos. Pelo menos, até o momento, é o que sabemos. Nesse momento específico, em que se fala muito em emergência climática, é possível fazer um paralelo com a saúde – e o planeta Terra está febril. Pode-se dizer que está num processo de inflamação.  E para tratar é preciso realmente parar com a fonte desse problema, para que a humanidade e outras espécies continuem vivendo aqui. Não há outra alternativa.  Temos várias razões para o planeta estar nessa situação de emergência climática, passando por aquecimento global, aumento da temperatura média do planeta, ao longo dos anos, especialmente após o início da atividade industrial. A humanidade precisa entender que será afetada, principalmente as comunidades mais vulneráveis, que serão os primeiros a serem impactados. Vimos recentemente episódios extremos de chuvas no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro, em Duque de Caxias. Esse é um fenômeno que vai cada vez mais afetar vários aspectos da vida, da sociedade humana, e a gente precisa olhar para isso com cuidado, porque o prejuízo vai ser dividido entre todos nós.  

Agência Brasil: O senhor faz parte do grupo de cerca de 2,3 mil astrônomos e voluntários que integram o Astronomers for Planet Earth (Astrônomos pelo Planeta Terra, em livre tradução), que defende pragmatismo e urgência para lidarmos com a situação do planeta. Como frear a degradação da Terra, na sua avaliação?  

Ricardo Ogando: Essa é uma pergunta muito interessante.  De um lado temos a importância das atitudes individuais. Sem dúvida são muito importantes para os cidadãos se engajarem, entenderem o lugar onde estão para que tomem atitudes ambientalmente conscientes.  Mas, a gente precisa também de medidas públicas, de políticas efetivas que tocam nesse assunto. Vamos pegar, por exemplo,  o consumo de canudos de plástico, objetos maléficos à fauna marinha. Esse já foi um assunto bastante polêmico. Até é possível oferecer outras opções em restaurantes, bares, lanchonetes e quiosques, mas se ainda há fornecedores fabricando canudos, o problema continua acontecendo. Então, você tem que atacar o problema na raiz com políticas públicas, com regulação.  

Agência Brasil: O astrofísico Marcelo Gleiser em seu último livro “O Despertar do Universo Consciente” cita a Terra como um oásis no Universo, onde a vida evoluiu de forma complexa. Então, lhe pergunto se há esperança de encontrarmos uma outra Terra, um planeta B? 

Ricardo Ogando: Primeiro, concordo com esse olhar do Marcelo Gleiser de falar que a Terra é, sim, um oásis para a vida complexa. E sobre essa visão futurista de “Planeta B” ou planeta alternativo à Terra, obviamente que a ciência almeja descobertas astronômicas que cheguem a esse grau de surpresa. Mas, por outro lado, está muito longe ainda. Não existe nada palpável. Essa grande pergunta – “estamos sozinhos no Universo?” – é irmã de outra pergunta “existem outros lugares onde a gente poderia expandir o alcance da humanidade?”. E ainda estamos muito longe de respondê-las.  

Agência Brasil: Quais seriam os principais desafios para respondermos a essas perguntas? 

Ricardo Ogando: Eles passam por vários aspectos científicos, uma vez, por exemplo, que a Terra orbita uma estrela do tipo solar.  Então, os grandes esforços para responder a essa pergunta passam no início por procurar estrelas do tipo solar, a chamada GMS Solares, que são estrelas muito, muito parecidas com o Sol, em que você espera conseguir reproduzir as condições para a vida. Agora, essa é só uma parte da história. Você também precisa encontrar um sistema parecido com o nosso Sistema Solar, com o planeta rochoso, a uma distância do Sol ou da estrela, em que permita ter água líquida. Mais uma vez, do nosso ponto de vista, da humanidade, o que permite você ter a formação da vida é a água. Agora, não basta ter só água líquida. São vários fatores que você tem que conjugar para chegar a um planeta que seja habitável. Mas, ainda tem a questão de conseguir chegar até um possível planeta habitável. Esse já é outro problema de logística! Ou seja, nosso planeta é algo muito extraordinário mesmo. Não existe esse plano B ou Planeta B. O planeta Terra é o videogame da vida no modo fácil, e sem direito a continuar. Você não tem mais “fichas no fliperama”. Então, a gente está aqui no modo fácil, e esse modo fácil ainda tem um monte de desafios, como se observa na história da geologia do planeta Terra. Se a gente ainda adicionar mais uma camada de dificuldade, que é emergência climática, a gente no fundo está complicando a nossa situação.  

Agência Brasil: E sobre as missões para a exploração de Marte, especialmente da Agência Espacial Norte-Americana (NASA)? Qual é a viabilidade do planeta vermelho ser uma nova casa para a humanidade? 

Ricardo Ogando: Marte é um planeta bem menor do que a Terra. E não tem uma atmosfera como a Terra tem. A atmosfera dele é muito, muito tênue. Mas, quando se olha também para a geologia dele, para as formações rochosas, a gente vê que houve um passado ali muito rico, potencialmente com rios caudalosos, lagos e tudo mais. Muito potencialmente, por conta dessa baixa massa do planeta Marte, esse material atmosférico, além da água, desapareceu. A gravidade do planeta é importante para manter esse material coeso, preso ao planeta. Então, Marte, se por um lado tem temperaturas mais parecidas com a Terra, se você estiver olhando para a Sibéria, que vai -70º Celsius até a 40º no verão, teria temperaturas que estão nessa faixa. Mas, na média, não é um ambiente propício. Você conseguir manter a vida em um planeta sem ter uma atmosfera e sem água líquida facilmente acessível é altamente improvável. E do ponto de vista da sustentabilidade também, da viabilidade financeira, não seria muito mais interessante.  

Agência Brasil: Por falar em recursos financeiros, essas pesquisas e missões para Marte envolvem bilhões de dólares. Há inclusive questionamentos sobre a efetividade de investimentos altos neste tipo de ciência e não em tentar regenerar a Terra, por exemplo. Qual é a sua opinião sobre isso?   

Ricardo Ogando: É claro que a gente sempre pode atacar vários problemas em paralelo, se a gente tem os recursos para tal. Uma questão é quando se usa a justificativa de que a Terra já não pode mais ser salva e deve-se procurar outro planeta. Essa justificativa já começa errada. Se estamos acabando aqui, vamos acabar em outro planeta também. No caso de Marte, por exemplo, seria um estilo de vida totalmente artificial para respiração, alimentação e sobrevivência. E tudo que é artificial, custa mais. A humanidade precisaria de energia, de infraestrutura, de um monte de recursos para manter a vida lá. Então, é muito mais barato ficar na Terra e cuidar dela. Essa é uma conta fácil de fazer. O que não impede que a gente continue pesquisando planetas do Sistema Solar, entendendo como eles funcionam até porque isso nos ajuda a entender como o nosso próprio planeta funciona. Ao entender o efeito estufa em Vênus, a gente entendeu o efeito estufa aqui no planeta Terra, por exemplo. Ao entender o que aconteceu em termos geológicos em Marte, a gente pode tentar entender o que aconteceu no planeta Terra e tentar até se preparar para o futuro. Se preparar para o futuro como, fugindo da Terra? Não! Aproveitando que a Terra nos dá condições ideais de sobrevivência e utilizar dessa vantagem competitiva da melhor forma possível. Ao invés de desperdiçá-la.  

Agência Brasil: E a às vésperas da estreia do podcast, S.O.S! Terra Chamando!, que fala sobre a saúde da Terra, pergunto por que o nosso planeta pede socorro? 

Ricardo Ogando: A Terra está gritando muito. A Terra está pedindo muito socorro. E quem tem o poder de resolver isso precisa escutar. A gente está vivendo uma emergência climática que tem razões baseadas no nosso estilo de vida, de consumo e que arranca do planeta mais do que ele pode dar. A gente precisa refletir muito bem sobre essas coisas, como a gente falou da política pública. A gente precisa regular certas atividades, não quer dizer proibir, não quer dizer censurar, quer dizer regular. Para que não seja uma destruição desmedida do planeta é preciso cuidar dele agora.