ENTRETENIMENTO

A arte de educar e mudar vidas tem espaço garantido nas escolas de João Pessoa

“O teatro me abriu portas e me fez refletir sobre muitas questões na vida. E eu quero usar ele como ferramenta para ser uma voz para quem precisa me ouvir, para quem quiser me ouvir, para as pessoas que se sentem invisíveis, que não conseguem se enxergar no futuro, porque nem sabem se vão ter um futuro”.

A fala de Yasmim Araújo da Silva, de 16 anos, mudou todo o roteiro desta reportagem. A pauta, ao menos inicialmente, era sobre o Dia Mundial do Teatro, que é nesta quinta-feira (27). De certa forma ainda é. A diferença é que Yasmim me revelou um caminho diferente para abordar o tema. Ela me fez conhecer a alma do teatro, a sua essência, o seu poder de inclusão e de transformação.

A adolescente de expressões livres e sonhos grandiosos é autista. E como ela mesma me ensinou hoje, não existe uma fileira de pessoas com autismo, como se fossem robôs criados para análise de especialistas. É que cada ser humano é único e é importante, cada qual à sua maneira. Pois, é nessa individualidade que se constrói a vida.

A parte triste é saber que a sociedade nem sempre pensa assim e, por muitas vezes, cria estereótipos (termo usado pela própria Yasmim) que levantam muros a separar os diferentes. E a pergunta que ficou na minha cabeça foi: e existe alguém que seja igual ao outro? A menina linda, dona de uma inteligência singular, me respondeu.

“A gente não deve mudar para se encaixar numa coisa só porque os outros acham que aquilo que é diferente é estranho, sendo que todos somos diferentes no geral. As pessoas pensam que autista é uma pessoa só, sendo que é um espectro e tem várias formas, e nós somos capazes. Tem médicos autistas, físicos, profissionais de várias áreas e inclusive no teatro”, enfatiza.

E é quando fala no teatro que ela mais se emociona. “É o lugar onde mais me sinto incluída. Fui para o ensino médio e senti a diferença. Algumas pessoas têm uma falta de empatia, uma ignorância. O teatro é uma coisa que transforma de dentro para fora. Sou outra pessoa agora. Recebi meu diagnóstico durante o processo do teatro, momento em que realmente precisava. Nós, pessoas neurodivergentes, precisamos ter reconhecimento e lugar de fala, principalmente as pessoas diagnosticadas tardiamente”, me ensinou Yasmim.

Teatro do encantamento – A garota de palavras firmes e certezas bem definidas sobre o futuro iniciou nas artes cênicas na Escola Municipal de Ensino Fundamental Padre Pedro Serrão, no bairro do Cristo Redentor. Yasmim não deixou o projeto só porque entrou no ensino médio. Isso, no entanto, só foi possível por conta da parceria entre os setores da educação municipal e estadual, que abraçaram o grupo de teatro Kairós, mantido na unidade educacional do município e dirigido pelo professor Flavinho Ramos.

“A gente tem uma parceria com a escola do Estado que fica aqui na frente, a Liliosa de Paiva Leite. Eles vão fazer ensino médio lá, mas permanecem aqui no teatro. Cem por cento dos meninos e meninas que participam do teatro do encantamento, quando acaba o 3º ano do ensino médio, continuam na Universidade Federal da Paraíba. O meu maior objetivo não é transformá-los em atores e atrizes, mas em seres humanos funcionais, acreditando que têm potencial. E que eles possam sonhar, mas principalmente realizar os sonhos”, idealiza o professor.

Flavinho Ramos comanda, com muita delicadeza, empatia e amor, uma turma de 62 alunos. Quarenta deles já fazem parte da seleção, ou seja, do grupo Kairós, participando de apresentações. Inclusive farão parte do elenco da Paixão de Cristo este ano, em João Pessoa. Outros 22 estão na pré-seleção e, portanto, ainda não se apresentam.

O mestre abraça a causa com firmeza porque enxerga o teatro como uma grande porta para realizar, na vida de garotas e garotos da periferia, aquilo que algumas pessoas menos crentes no potencial deles classificam como impossível.

“O teatro tem capacidade de acessar as questões desses alunos que muitas vezes estão isolados na periferia. A partir dos exercícios teatrais e de uma pedagogia que eu criei chamada de ‘teatro do encantamento’, a gente consegue acessar as individualidades de cada um e, a partir daí, a gente trabalha isso para a coletividade. Vai se criando uma potência nesses meninos e meninas para furar a bolha”, expressa.

E Flavinho Ramos tem muitos motivos para se orgulhar do projeto que conduz com o apoio incondicional dos gestores pedagógico e administrativo da Escola Padre Pedro Serrão, Apolônia Maria de Oliveira e Elton da Silva Farias, respectivamente. É que já tem aluna na universidade e que se transformou em assistente da direção do grupo.

“A gente está com Maria Clara que começou comigo no 9º ano e hoje é minha assistente de direção. É uma das grandes alunas de teatro do curso de licenciatura da UFPB”, afirmou.

Lógico que eu fui conhecer essa garota de 21 anos que, definitivamente, furou a bolha.

Teatro, caminho de mudança – Maria Clara também traz um ensinamento marcante para todos nós. “A minha escolha de fazer licenciatura em teatro é justamente porque foi o teatro que salvou a minha adolescência, salvou a minha vida na verdade. Ele me ensinou sobre expressividade, autopercepção, percepção do outro, sobre aquilo que realmente importava na vida, a finitude das coisas”, acrescenta a jovem de uma maturidade impressionante.

Maria Clara lembra o quanto é importante manter o lado criança, mesmo depois que se cresce. “O teatro é essencial no dia a dia das crianças e dos jovens, porque ensina coisas que vão para além de habilidades que a gente tem que desenvolver em matéria, mas que a gente tem que desenvolver enquanto seres humanos, do olhar para o outro e do olhar para si e entender que a ludicidade está na primeira infância, mas ela tem que ir até a vida adulta”, afirma com precisão cirúrgica.

Ao final da nossa conversa, os alunos, dirigidos pelo professor Flavinho, fizeram uma pequena apresentação para que nossa repórter fotográfica Quel Valentim pudesse fazer os melhores registros. O que nem eu e nem Quel imaginávamos era o tamanho da emoção que isso nos proporcionaria.

Abraçadas por todos os meninos e meninas, ao som da música ‘Me Curar de Mim’, da artista pernambucana Flaira Ferro, nós duas esquecemos, por alguns minutos, que estávamos ali como profissionais e nos permitimos deixar tocar pela alma do teatro e de toda aquela turma cheia de capacidades incríveis que fará cada um conquistar um futuro grandioso.

Eu até poderia encerrar essa reportagem aqui, porque ainda estou guiada pela emoção. Mas é que a Prefeitura de João Pessoa oferece muito mais quando o assunto é teatro e educação. Então, vamos lá continuar nosso trabalho tão especial.

Teatro e educação para o trânsito – Olhos atentos, sorrisos estampados e na experiência do que parece uma simples brincadeira para as crianças que participam da apresentação de fantoches, a arte de educar. É o teatro a se mostrar grandioso até nos cenários aparentemente mais incomuns. Em João Pessoa, por exemplo, as escolas se transformam em palco para espetáculos que ultrapassam a ideia do imaginário para atuar na área da educação.

E quando falamos em educação, é no sentido mais amplo da palavra, cujo significado no dicionário é: aplicação dos métodos próprios para assegurar a formação e o desenvolvimento físico, intelectual e moral de um ser humano. Significa que o resultado da soma de teatro mais educação, na Capital, é a formação de bons cidadãos.

A Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana (Semob-JP), por meio da Divisão de Educação para o Trânsito, entende o resultado positivo da união entre teatro e educação. É por isso que não dispensa essa aliança, como explica a chefe do setor, Gilmara Branquinho.

“Agregar valor na forma como transmitimos os conhecimentos e alcançar o público infantil com mais eficácia, já que através do lúdico facilitamos a compreensão e aprendizagem nessa faixa etária sobre diversos temas que podemos abordar na área de comportamentos seguros no trânsito”, define Gilmara.

Para a apresentação das peças teatrais, um texto é criado tomando como base a necessidade de cada público abordado, de acordo com a faixa etária e nível de escolaridade e conhecimento sobre o assunto. “A proposta se estende a escolas, empresas, eventos de trânsito, lares para idosos e onde for pertinente a participação desse instrumento de facilitação e comunicação lúdico/educativo”, acrescente a chefe da Divisão de Educação para o Trânsito da Semob.

Em regra, as escolas solicitam através do sistema 1Doc no site da Prefeitura.  Mas, existem ocasiões em que o teatro de fantoches é oferecido às escolas municipais quando estas estão inseridas em algum outro projeto desenvolvido pela Divisão de Educação para o Trânsito da Semob.

Teatro e segurança – As equipes do Teatro de Fantoches da Secretaria de Segurança Urbana e Cidadania (Semusb) também atuam junto às crianças e adolescentes de forma divertida e criativa com importantes temas, como a segurança dentro e fora das escolas, a questão de confiar na família, ter o policial e guarda como amigos dos pequenos, fatores de preservação ambiental e ainda temas emocionais, como ter um bom coração e ajudar a todos.

As instituições de ensino, públicas ou privadas, podem entrar em contato com Guarda Civil Metropolitana solicitando as apresentações do Teatro de Fantoches, através da plataforma 1Doc ou pelo e-mail [email protected].

Que o teatro ‘invada’ todos os setores da sociedade. Que os artistas resistam às dificuldades, porque depois que se conhece a alma dessa arte é impossível querer que um dia ela se acabe.

“O teatro é o primeiro soro que o homem inventou para se proteger da doença da angústia” – Jean Barrault.